segunda-feira, 5 de maio de 2008

Entrevista

Entrevista: Gustavo Venturi comenta dados relevantes sobre a pesquisa "Discriminação racial e preconceito de cor no Brasil"


1) Qual a importância da pesquisa sobre discriminação racial no Brasil?


Assim como o estudo que fizemos em 2001, sobre a situação das mulheres brasileiras, a pesquisa "Discriminação racial e preconceito de cor no Brasil" procurou investigar uma temática considerada relevante, chamando a atenção para esse problema tão sério, vigente no país. Um problema que, como todas as questões sociais importantes, só vai ser superado se for amplamente discutido pela sociedade e se houver políticas públicas que transformem a realidade em que se reproduz.Noutras palavras, esta pesquisa está inserida na história dos estudos do NOP, no sentido de trabalhar com temas relevantes e presentes na nossa realidade, para aumentar o volume social de discussão sobre essas questões. Nossa expectativa é contribuir para que a FPA siga cumprindo seu papel de fomentadora do debate público.

2) Como explicar que 90% da população diz existir racismo e, no entanto, apenas 19% manifestam preconceito?

Primeiro precisamos distinguir entre preconceito e discriminação racial, ainda que ambos se alimentem da mesma ideologia racista, cujas raízes remontam às justificativas políticas e econômicas para o tráfico de negros e negras, vigente no Brasil por mais de três séculos. Pode-se reconhecer a existência do racismo no país e a atualidade de suas muitas expressões em forma de discriminação institucional, cuja percepção buscamos captar na pesquisa, sem que se partilhe de concepções raciais preconceituosas.No que tange ao preconceito racial, isto é, no plano da sociabilidade cotidiana, das relações interpessoais, a pesquisa realizada pelo Datafolha em 95 trabalhou com duas escalas de aferição: uma mais rigorosa (que registrou o índice de 87% de pessoas preconceituosas, que caiu para 74% em 2003) e outra, menos rigorosa, que trabalhava apenas com 5 das 12 questões sobre o tema - aquelas em que eram bastante claras as manifestações do preconceito. Por essa escala, os que manifestaram algum nível de preconceito passaram de 42% em 1995 para 19% em 2003.A contradição que você aponta está no fato de as pessoas reconhecerem que o racismo é um problema social disseminado, mas, diante do temor de serem estigmatizadas como preconceituosas, ou mesmo de encararem de frente o próprio preconceito, a maioria acaba considerando este um problema "dos outros", ou seja, poucos se declaram preconceituosos, preferindo projetar o preconceito e o racismo para o conjunto da sociedade.

3) A pesquisa revela que o preconceito racial caiu em relação a 1995 (de 87% para 74%). Qual sua avaliação sobre esses dados?

De fato, o índice de brancos e pardos que assumiam ter preconceito contra negros era, em 1995, de 12%. Nesta pesquisa, caiu para 4%. Já pela escala indireta de preconceito, criada pelo Datafolha, tínhamos em 95 um índice de 87% que manifestavam algum nível de preconceito e, agora, temos 74%. É ainda um índice muito alto, mas caminhou-se numa direção positiva.A polêmica que fica, naturalmente, é se essa queda nos índices reflete uma mudança real de atitude das pessoas ou se apenas mostra mais atenção para o discurso "politicamente correto".Avalio que as duas hipóteses são verdadeiras. De um lado, temos ¼ da população brasileira representada na pesquisa do NOP que não estava no levantamento de 8 anos atrás, ou seja, o contingente que tem hoje de 16 a 24 anos. É exatamente nesse contingente que o preconceito de cor é menor, quando analisamos suas manifestações de acordo com a faixa etária. Isso pode ser expressão de uma mudança efetiva de atitude entre os mais jovens, que seria fruto de uma combinação importante: a intervenção do movimento negro, que, junto com o movimento de mulheres, conseguiu em 95 a revisão das diretrizes educacionais do MEC, que passaram a explicitar que os livros didáticos não poderiam trazer conteúdos preconceituosos, submetendo-os, desde então, ao crivo de analistas compromentidos.Além disso, como a crítica sobre o racismo aumentou nos últimos anos, a retórica politicamente correta certamente também tem contribuído para coibir as manifestações mais claras de preconceito. De qualquer forma é um avanço, pois mostra que a sociedade está mais atenta para essa questão e que as pessoas preconceituosas se sentem mais acuadas.

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